Aos Ombros de Gigantes

Abdominoplastia e Mamoplastia sem drenos

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Um dos factores essenciais na cirurgia estética é a experiência - a capacidade de lidar com os detalhes que fazem a diferença, a constatação dos pormenores que permitem atingir o melhor resultado e a desenvoltura, rapidez e sentido prático que advém do domínio completo da técnica. O cirurgião terá sempre uma dose de inspiração, outra de criatividade, alguma de puro dom e tudo o resto será suor, muito estudo contínuo, seguimento das pacientes e experiência. Por outro lado, por vezes a experiência transforma-se em hábito e o hábito em prática cristalizada e não evolutiva. Quem se habitua durante anos a uma forma "maquinal" e reprodutível de obter resultados, poderá perder a viagem da evolução contínua das técnicas e a obsessão de se superar e de atingir continuamente o melhor resultado cirúrgico de que é capaz.

Creio que a utilização de drenos na cirurgia plástica poderá ser um destes exemplos de cristalização. Os drenos são tubos introduzidos durante a cirurgia e que habitualmente se ligam a um sistema de vácuo. Permitem, acima de tudo, a obliteração de espaços vazios criados pela dissecção dos planos cirúrgicos. Outras funções consistem na extracção de exsudado e de sangue que podem ocupar estes espaços cirúrgicos e provocar hematomas ou seromas. No entanto, as desvantagens também existem, como a dor aumentada no pós operatório (e a sentida aquando da extracção dos mesmos, dia(s) após a cirurgia), o período de internamento prolongado, a existência de cicatrizes adicionais e a comunicação do exterior com a loca cirúrgica (inclusivamente com os implantes mamários quando são utilizados na mamoplastia de aumento). Se, em boa verdade, os estudos disponíveis não demonstram um aumento da taxa de incidência de infecções com a utilização destes drenos, é também verdade que muitas das complicações tardias de cirurgia estéticas ainda não têm uma explicação definida e assentam muitas vezes em hipóteses ainda em estudo.

Um bom exemplo é o caso da contratura capsular dos implantes mamários, cuja hipótese mais consensual assenta na teoria do biofilme que mais não é do que uma colonização subclínica dos implantes desde a cirurgia). A par da ponderação das vantagens e desvantagens da utilização de drenos, existe o raciocínio semelhante que deverá ser feito relativamente à sua Não utilização. Será que são essenciais? Será que, resolvido o problema do espaço vazio criado pela cirurgia (através de suturas intra-operatórias ou outras formas de adesão cirúrgica), resolvida a coagulação com uma técnica cirúrgica cuidada e meticulosa e resolvida a gestão de exsudados com um pós operatório sem limitações e que permite à paciente retomar a sua actividade diária normal, permitindo a normal circulação do sistema linfático, ainda é lícito usar esses drenos?

Mantenho a máxima de que o cirurgião deverá utilizar a técnica que, nas suas mãos, produz os melhores resultados. No entanto, deverá ser igualmente um objectivo a obtenção desse resultado com o mínimo de dor e impacto para a paciente (especialmente atendendo ao carácter electivo e não urgente da cirurgia estética). No meu caso, os anos têm demonstrado que o empenho intra-operatório e o tempo cirúrgico ligeiramente aumentado, obviam a utilização de drenos nas cirurgias de mama, de glúteos e de abdómen. Se não tenho o mérito de ter criado nenhuma destas técnicas (limito-me a reproduzir o que vi e aprendi com cirurgiões plásticos em locais onde a cirurgia estética é muito mais frequente do que no nosso país), devo apenas referir que "nas minhas mãos", não utilizo drenos. Devo referir que o pós operatório experimentado pelas minhas pacientes é substancialmente melhor, com menos dor e menos limitações. Devo referir que as complicações pós operatórias (nomeadamente seromas, hematomas e infecções) são iguais (senão menores) do que quando utilizava técnicas clássicas com utilização de drenos.

Não há formas estanques e definidas de actuar e todas serão válidas se conseguirem produzir bons resultados sem complicações. Ainda assim, continuarei a operar sem usar drenos e com a satisfação de ver programas de congressos internacionais com comunicações que defendem a não utilização de drenos, bem como a publicação de artigos científicos a corroborarem esta tendência crescente em todo o mundo. As recomendações de boas práticas da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica para a mamoplastia de redução já aconselham a não utilização drenos. Os artigos sobre abdominoplastias sem drenos começam a avolumar-se. Os anos de experiência de quem realiza mamoplastias de aumento sem drenos merecem uma reflexão atenta por parte de todos os cirurgiões plásticos. A experiência é essencial, sem nunca nos esquecermos, como Stephen Hawking uma vez referiu, de que nos erguemos sempre "aos ombros de gigantes". Todos os que contribuíram para a minha formação são os meus gigantes.

Porto, 22 Abril 2018